Desfrutar de um período sabático é uma forma de sair da rotina, para fazer um balanço da vida
Ciça Vallerio - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Estar "em sabático" pode não ter nenhuma conotação religiosa. Significa, simplesmente, puxar o freio de mão, interrompendo a rotina, para colocar em prática algum projeto ou sonho antigo, como uma viagem, um curso no exterior, um novo negócio, etc. "Só não é uma pausa para ficar de papo para o ar, nem para justificar o desemprego", avisa o executivo Herberto Steinberg, de 53 anos, autor do livro Sabático - Um Tempo para Crescer (Editora Gente/Infinito) e criador do site www.sabatico.com.br. "É um projeto com começo, meio e fim, que exige planejamento e negociações no trabalho e na família."
O termo sabático vem do hebraico shabbath e significa repouso. É o dia de recolhimento semanal dos judeus. Fora do contexto religioso, a expressão passou a fazer parte do cotidiano. Embora sua prática não seja comum no Brasil, nas universidades norte-americanas é tradição. Lá, professores e funcionários graduados que trabalham seis anos seguidos na mesma instituição adquirem o direito de se afastar por um ano para investir na própria reciclagem.
Herbert se deparou, sem querer, com esse conceito quando viajou para os Estados Unidos. O objetivo era visitar um grande executivo da rede de fast food para a qual trabalhava. Ao chegar lá, foi informado de que a pessoa estava em sabático por um período de seis meses. Ficou tão intrigado com isso que começou a pesquisar sobre o tema.
Com pouco material disponível sobre o assunto nas livrarias brasileiras, Herbert decidiu escrever um livro e desfrutar também do seu sabático, após ter passado por vários cargos de direção em multinacionais na área de Recursos Humanos. Sua parada aconteceu quando tinha 43 anos, casado e pai de dois adolescentes. Como era de se esperar, família e sócios da sua empresa de consultoria levaram um baita susto quando ele comunicou sua intenção de interromper a rotina.
O projeto, que levou um ano para ser realizado, consistia em um afastamento temporário de suas atividades para realizar uma viagem interior, percorrendo os famosos 800 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela - com saída em Saint-Jean-Pied-de-Port, no extremo sul da França, até a cidade espanhola.
"Estava em um momento crucial da minha carreira e queria parar para refletir, descansar e olhar as coisas sob outra perspectiva", explica Herbert. "Sabático não é uma panaceia para crises de meia-idade. Crise é crise, e como tal deve ser tratada."
Sair do automático
Para David Kundtz, autor do best seller A Essencial Arte de Parar (Editora Sextante), esse tipo de reflexão programada é importante para a qualidade de vida. Em seu livro, ele diz: "quem vive anestesiado, ainda que sob a aparência de um ritmo inebriante, na verdade está vivendo uma vida sem qualidade."
Cada vez mais, o tema tem atraído a atenção das pessoas. Um título está no topo da lista dos mais vendidos, desde seu lançamento, no ano passado: Comer, Rezar e Amar (Editora Objetiva). A autora Elizabeth Gilbert conta a sua "história sabática" real. Tinha 30 e poucos anos e uma vida aparentemente maravilhosa, porém, sentia-se infeliz. Até que um dia tomou uma decisão radical: pediu demissão do emprego, deu um fim em seus bens e partiu sozinha para uma viagem de um ano pela Itália, Índia e Indonésia.
Mas é o Caminho de Compostela que tem sido um dos "destinos sabáticos" preferidos por profissionais de diversas áreas. A psicóloga e headhunter Roselene Scalabrin, de 45 anos, fez grandes viradas a partir de dois períodos de reavaliação profissional. Nas duas vezes, foi refletir com a mochila nas costas, enquanto percorria as trilhas místicas.
A primeira vez que partiu para o seu sabático, sem se dar conta dessa expressão na época, tinha 37 anos, e estava casada há quase 20, já com duas filhas. Usufruía de estabilidade profissional e financeira, trabalhando com o recrutamento de executivos.
"Estava chegando aos 40, fase que mexe com as mulheres, e comecei a me questionar", conta Roselene. "Apesar de não ter sido fácil negociar com meu chefe uma ausência por 40 dias, queria aprender com as dificuldades do Caminho de Compostela e repensar a minha carreira."
Como é de praxe, os sabáticos costumam causar mudanças - nem sempre radicais. Na volta da viagem, a headhunter começou a se estruturar para dar partida a novos projetos, que nasceram justamente durante o período de reflexão nos 800 quilômetros da caminhada mística. Pouco tempo depois, as transformações começaram a acontecer. Roselene separou-se e foi dando os primeiros passos para abrir seu próprio negócio.
Após muitos anos na empresa em que trabalhava, jogou a toalha e desligou-se de sua função em 2007. Passou a dedicar-se à estruturação de sua própria consultoria de recolocação profissional de executivos. Mas resolveu dar uma nova parada para enfrentar novamente a caminhada - aí, sim, com a consciência de que passaria por um período sabático.
"Precisava me preparar mentalmente e introjetar essa nova fase na minha vida", explica. "Nessa segunda parada, aproveitei para refletir sobre como a minha prestação de serviço poderia se diferenciar das que já existiam no mercado."
Durante um sabático, é comum surgirem insights que dificilmente ocorreriam no dia a dia estressante e automatizado. Andrei Puntel Souza Cruz, de 39 anos, virou a mesa e mudou radicalmente a vida. Após sua graduação, não demorou para ascender profissionalmente. Alcançou postos de prestígio, mas, nesse período, abdicou de férias. Até a reviravolta, ele só tinha tirado 47 dias de folga em anos de muita dedicação ao trabalho.
Nessa fase de extremo cansaço, Andrei se perguntou até que ponto todo aquele desgaste estava valendo a pena. Mas ficou balançado mesmo após um problema de saúde em sua família, o que o incentivou a mudar. Pediu demissão e partiu para uma viagem de um ano pelo Brasil. "Levei dois anos para amadurecer a ideia e mais outro para me organizar", recorda-se. "Como era solteiro e pouco gastador, fiz um excelente pé-de-meia para tirar meu sabático."
Como é apaixonado por tudo o que se refere ao meio ambiente, o engenheiro elétrico de formação aproveitou a oportunidade para coletar material e montar o seu site, batizado de Associação Desafio. "Quando viajamos não apenas com olhos de turista comum, descobrimos coisas maravilhosas", ressalta. "Conheci toda a costa brasileira, além de outros estados, e aprendi muito. Foi um período enriquecedor."
No fim da expedição, sua rotina não voltou a ser como antes. Andrei foi morar em Santos, transformou seu hobby em profissão e virou instrutor de mergulho. Agora, também dedica-se, como autônomo, a projetos de "instalações inteligentes" - ou seja, elaboração de instalações elétricas e hidráulicas para reúso da água e energia solar.
Sem o estresse de antes, viaja uma vez por mês com a escola de mergulho para a qual presta serviço, visitando lugares como Arraial do Cabo ou Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Já lançou um livro de ficção, intitulado Akashi(que pode ser baixado pela internet) e tem mais dois na gaveta, esperando editora.
Momentos de vida
Muitos motivos levam ao sabático. Até mesmo questões filosóficas. A administradora Raquel Oliveira, de 38 anos, é simpatizante da antroposofia. Entre os muitos preceitos dessa doutrina mística, está a crença em ciclos que se iniciam a cada sete anos na vida. Considerando isso, Raquel planejou dois sabáticos e prepara-se para o terceiro.
Aos 28 anos, programou seu afastamento do trabalho para estudar inglês por um ano na Inglaterra. Organizou as finanças para custear todas as despesas e encarou uma negociação tensa no trabalho, que durou seis meses. "Queria garantir meu emprego na volta e mostrei à chefia que estava fazendo isso para me aperfeiçoar no idioma sem que a empresa precisasse investir um tostão", conta. "Custou, mas perceberam que teriam vantagens, e me deram uma licença não remunerada."
Dessa pausa, nasceu a vontade de abrir seu próprio negócio. Seguindo a teoria dos setênios (ciclo dos sete anos), aos 35, parou mais uma vez e, como muitos, foi buscar inspiração no Caminho de Santiago de Compostela. Com a viagem, realizou um sonho adolescente, quando devorava os livros de Paulo Coelho. Aproveitou também para encontrar um foco para a sua empresa e refletir sobre um pedido de casamento - o qual acabou aceitando.
Em 2007, Raquel desligou-se definitivamente de seu trabalho oficial e, junto com sua sócia, abriu este ano a Comportamento e Atitude, empresa voltada para a capacitação e treinamento na área de call center. Agora, sua meta é fazer o negócio decolar, para, em 2013, quando estiver com 42 anos, investir em mais um sabático: desta vez a meta é morar em Quebec, no Canadá, com o marido. Raquel pretende fazer um curso de antroposofia e ele, um MBA em gestão.
Nem viagem, nem setênio. O que motivou Bjorn Frederick, de 38 anos, a puxar o freio de mão foi o nascimento de seu primeiro filho. Quando se casou, ele e a esposa investiram na carreira e foram conquistando altas posições. Mas, à medida que começaram a sentir desejo de ter filhos, perceberam que a rotina de executivos não seria muito saudável para uma futura vida em família.
Como a empresa onde trabalhava estava passando por mudanças, Bjorn planejou um sabático, com o objetivo de mergulhar nos estudos. Com o apoio da esposa, saiu do emprego um dia antes do nascimento do seu filho. "Aproveitei para ficar mais com o bebê, dei suporte para ela voltar a trabalhar com tranquilidade após o fim da licença-maternidade", conta Bjorn. "Durante todo o ano de 2005, me preparei para prestar concurso e ingressar no doutorado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP."
O ex-executivo está prestes a pegar seu diploma de doutor. E aproveitou o período de pausa para abrir sua própria consultoria, tornando-se também pesquisador e professor de Administração dos cursos de pós-graduação da Fundação Instituto de Administração (FIA). Com o expediente flexível, continua ajudando a cuidar de seu primeiro filho, Eric, de 3 anos, e agora do segundo, o Leo, que nasceu há um ano e meio.
"Agora é a minha esposa, a Sandra, que também vai se preparar para os estudos", avisa. "A diferença é que a empresa onde trabalha como executiva valoriza esse tipo de crescimento, e vai oferecer um dia por semana para ela se dedicar ao mestrado."
Preparação para o sabático:
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Não tome decisões precipitadas, nem impulsivas. Avalie seus propósitos e trace seu plano.
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Não existe tempo nem idade ideal para realizar um sabático. Cada um tem a sua necessidade.
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Avalie se a pausa é para fugir de algum problema no trabalho, família, casamento, etc. Nesse caso, o melhor é tentar resolvê-lo, nem que seja com a ajuda de psicólogo.
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Faça o planejamento detalhado sem pressa, incluindo a parte financeira e organizacional, tempo, objetivo.
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Empenhe-se para ter um projeto bem definido, que seja à prova de objeções e palpites na hora de comunicar para as pessoas.
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Enfrente o medo de cair fora da zona de conforto. Quem sai em sabático - e o aproveita bem - demonstra iniciativa, espírito empreendedor e disponibilidade para mudanças.
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Na hora de negociar com a empresa, não peça autorização. Mostre com convicção os benefícios que a organização tem com quem adquire e desenvolve novas competências.
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Prepare-se para a volta à rotina após o sabático, pensando até mesmo na possibilidade de não ter mais aquela sua vaga na empresa.

Roselene: refletir com a mochila nas costas enquanto percorria trilhas místicas

Andrei: O ex-executivo mudou de profissão, virou instrutor de mergulho e escreveu um livro de ficção

Raquel: preparação para fazer seu terceiro passeio sabático no Canadá

Bjorn: parada para se dedicar ao doutorado e aos filhos