"Brilho no currículo "
Fonte: Valor Econômico
Data: 27/02/2009
As salas de aula de escolas renomadas - direcionadas à educação executiva - vão abrigar, em 2009, alunos com interesses diferenciados daqueles verificados até setembro do ano passado, quando a crise financeira começou a dar os primeiros sinais de alerta ao mercado. Precavidos, os executivos têm hoje a percepção de que é preciso especializar-se mais e contar com várias alternativas no currículo para ter chances de se manter no trabalho, galgar outros postos ou, se for o caso, encontrar uma nova colocação.
Atentas ao momento, as escolas reveem disciplinas, formatam novos cursos e usam todos os métodos para identificar as necessidades dos alunos e do mercado. Os mais prevenidos não pensam duas vezes para colocar a mão no bolso e bancar, eles próprios, sua capacitação.
Na outra ponta, os "head hunters" traçam estratégias mais adequadas para profissionais que precisam conquistar vagas e, para os que já estão no mercado, garantirem suas posições e até ampliar suas possibilidades. Os esforços são motivados pela percepção de que aqueles que tiverem criatividade e capacidade de enxergar oportunidades onde todos veem ameaças, podem ganhar com a crise.
"Quando a economia está bastante aquecida todos têm a sensação de que tudo está bem. Ao primeiro sinal de que algo vai mal, aumenta a concorrência por vagas que estão livres e aqueles que já ocupam cargos procuram capacitação para se destacar de forma geral", afirma Alberto Luiz Albertin, professor e coordenador de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conceituada no mundo educativo e corporativo por seus cursos de pós-graduação e MBA, a FGV ainda não tem claro qual será a demanda desses profissionais, mas aposta que a procura pelos cursos crescerá ao longo de 2009.
"A FGV oferece o melhor curso que pode, em qualquer época, mas nessa situação de crise a preocupação e atenção com o mercado redobram", afirma o professor. Segundo ele, há uma procura pela educação mais qualificada. "A busca agora é de qualificação de gestão de forma geral. A tendência é de aumento de demanda pela capacitação, mas ainda não dá para medir esse movimento", diz.
O incremento da busca pela capacitação, explica, já se verifica nos primeiros dois meses do ano com tendência a aumentar ainda mais no segundo semestre. O professor da FGV costuma dizer que em períodos de instabilidade econômica "a vida em uma empresa fica mais sujeita aos contratempos da economia e os executivos passam a investir mais na sua educação e pensar na busca de alternativas para o futuro a médio e longo prazo".
"Mudou o vento, ajustam-se as velas", explica Saulo Lerner, diretor da Right Management, consultoria integrada ao ciclo de vida do emprego. Para o diretor, essa mudança não foi inesperada. "Os ciclos econômicos não duram tanto tempo e já estava na hora de mudar." Retomar a rota, segundo Lerner, não é tarefa fácil. "Como as pessoas estavam acostumadas a atender dentro de um paradigma, perdem o rumo. Esse momento tem uma série de novas necessidades como liquidez, manter cliente, manter parceria e assegurar fidelidade. O profissional que for capaz de reunir todas essas qualidades fará sucesso no mercado", afirma.
Fernando Trevisan, diretor executivo da Trevisan Escola de Negócios, há uma década no mercado, também está de olho nessas mudanças para ajustar os cursos ao novo cenário. "Alguns pilares que regiam os negócios mudaram completamente obrigando a escola a olhar para essa nova realidade", afirma. Por conta disso, o novo curso que começa no princípio de março irá se sustentar em cinco pilares: gestão de caixa, de custos, controle, riscos e processos. O curso será direcionado aos profissionais de alta gerência e pequenos e médios empresários, principalmente, das áreas financeira e de controladoria.
"Antes da crise, esses pilares já existiam, mas não foram tratados com a devida ênfase por conta da imagem de que o mercado financeiro era a solução para tudo, inclusive para as empresas produtivas que acabaram desviando seus focos", resume. Trevisan ressalta que "os riscos não foram devidamente avaliados e os mecanismos de controle, desde os conselhos de administração até diretorias financeiras, não funcionaram corretamente". Na sua opinião, as empresas terão de adequar seus processos para se tornarem mais eficientes por conta da contenção de custos. "Daí a gestão de caixa e de custos serem a prioridade para sobreviverem nesse nova economia."
Carlos Faccina, presidente da Business School São Paulo (BSP), critica a atual fase de demissões e avisa que isso poderá representar mais gastos às companhias que enxugamento de custos. "O que ocorre é uma precipitação por parte de algumas empresas em reduzir custos de forma tradicional, e que em um primeiro momento parece enxugar gastos, mas pode ser sinônimo de jogar fora grandes investimentos feitos ao longo do tempo", acredita.
Em sua opinião, "as empresas precisam ter claro que existe um período de adaptação que pode durar até um ano" e demitir esses profissionais quando estão capacitados é uma política de desperdício. Otimista, o presidente da BSP vê uma retomada da economia a partir do segundo semestre. "É preciso olhar com carinho para os investimentos que já foram feitos e acreditar que haverá uma retomada. Na minha opinião, ela deverá acontecer a partir de julho e aí as empresas irão gerar novos custos para admitir e treinar outros profissionais", diz.
Reforçar o sistema de controle para tentar reduzir o desperdício é uma resposta imediata de curto prazo que é extremamente importante, mas que não dá conta a médio e longo prazo, avalia Saulo Lerner, da Right Management, Para o diretor, essa competência tem que existir a todo momento, mas até agosto de 2008 as margens suportavam um certo grau de ineficiência porque a economia estava exuberante. "A construção de serviços para crise ou ajuste de serviço para o tempo de crise é muito importante", diz. E questiona: o que vender nesse mercado em momentos de instabilidade econômica? Como assegurar as margens sem correr risco apesar de a empresa estar no mercado financeiro?
O próprio diretor responde às suas indagações: criar novos serviços. O profissional que tiver inovação e criatividade para poder enxergar oportunidades onde todos veem ameaças se sairá bem. Outro fator relevante é ser um profissional preparado para resultados no médio e longo prazos e capaz de construir relacionamentos e parcerias mesmo nesse momento. O diretor considera que o Brasil está em vantagem diante de outros países. "A crise no Brasil não chegou de uma forma dramática como em outras partes do mundo. Isso é ótimo, porque as empresas gestoras das organizações, no Brasil, mantêm uma perspectiva de médio e longo prazo e outros países enxergam o nosso como um lugar ótimo para estarem." Segundo a vice-presidente do Banco Mundial (BM) para a América Latina e o Caribe, Pamela Cox, o Brasil, ao lado do Chile, será o país da América Latina que menos sentirá as consequências da atual crise econômica.
"Vivência e experiência são outros fatores de peso. Ninguém poderá aprender e ao mesmo tempo desempenhar um bom trabalho dentro das empresas nesses momentos de crise se não tiver uma boa dose de experiência", reforça Alberto Panelli, sócio diretor da Panelli Motta Cabrera & Associados, do ramo de recrutamento. Segundo ele, em algumas empresas, o que gera uma nova contratação é a necessidade de mudança de perfil do profissional para atender a demanda da companhia, como por exemplo, na área financeira. "O profissional que opera mais na área de ajuste, rentabilidade, produção de ferramentas em céu de brigadeiro, dificilmente, terá um desempenho satisfatório em momento de crise", afirma.
A Panelli Motta diagnosticou que esse tipo de mudança ocorre com frequência no mercado desde fins de 2008, principalmente em cargos como o de diretor-financeiro. "Negociar uma dívida com um banco requer um perfil de profissional que na maioria das vezes a companhia não dispõe", afirma. O embasamento acadêmico, acrescenta, é um ponto muito considerado. Faculdades de primeira linha e complemento com outros cursos que levarão ao aprimoramento do profissional também são tidos como fundamentais.
Maria Helena Bertoccelli, diretora sócia da BS Consultores e há 20 anos no mercado, diz que ter trabalhado em empresas idôneas e respeitáveis pode ser a chave para altos profissionais reingressarem no mercado. "As empresas valorizam os profissionais que têm em seu currículo passagem por empresa com credibilidade e resultados positivos. Formação em faculdades conceituadas é fundamental, pois curso superior não é mais diferencial, mas sim a faculdade cursada", diz.
Outro ponto citado por Maria Helena é o desenvolvimento de carreiras nas empresas. "A estabilidade dentro das companhias, que antes era vista como negativa, passa a ser relevante se esse profissional vivenciou diferentes funções e desafios. Investimentos em cursos como pós-graduação e MBA também são considerados", afirma.
Segundo a diretora, as prioridades dos executivos vêm mudando nos últimos dois anos, com a remuneração sendo substituída por desafios. "Os salários estão deixando de ser o principal foco. Os profissionais preferem oportunidades e desafios que agreguem novos conhecimentos à empresa e ao seu próprio currículo", diz. Outro fato que se observa no mercado, de acordo com ela, é que algumas companhias estão mais retraídas no momento da demissão ou contratação e mais preocupadas em investir nos bons profissionais que já têm, oferecendo treinamento para desenvolver melhor esse executivo.
Para o presidente da BCP, Carlos Faccina, "novas perspectivas e escolaridade em níveis mais avançados, em períodos de crise, são fundamentais para se ter empregabilidade, o que torna o profissional um ativo humano difícil de ser desprezado na crise".
Ele entende que a escolaridade também é fator importante de inovação. "Hoje, mais que dar conhecimento técnico, a escola tem que inspirar e desenvolver a capacidade de perceber a realidade", diz. Pelas suas contas, 2009 deverá registrar um incremento entre 10% e 15% na demanda sobre o ano anterior. "Várias empresas estão desembolsando ainda mais nesse momento de crise", diz. Porém, alguns segmentos da economia estão com o freio de mão puxado. "O segmento de bens duráveis está com o pé atrás, mas outros como as áreas de tecnologia e bens de consumo não duráveis, estão até ampliando investimentos", diz.
Este ano será de crescimento pela demanda de cursos também na Trevisan, mas com um perfil diferente de alunos. "Em momentos de crise há maior procura de cursos para desenvolvimento de capacitação por pessoas físicas para garantir sua empregabilidade".
Os profissionais mais procurados nesse momento são aqueles com maior responsabilidade financeira e com maior capacidade de atuar em mais de uma área, "polivalentes", diz. Outro quesito é ter capacidade de gerir pessoas da sua equipe em um momento em que esses profissionais ficam mais receosos. Dos 400 alunos previstos para 2009, ante 350 no ano passado, 90% pagarão do próprio bolso o cursos de MBA", diz Trevisan. No ano passado esse índice era de 80% e no anterior beirava 70%.